DESVENDANDO A SIMBOLOGIA OCULTA DE LISBOA
O GRANDE MISTÉRIO DO TERREIRO DO PAÇO
(REPORTAGEM DE VICTOR MENDANHA IN "CORREIO DA MANHÃ", 16.6.1986)Entrevista o Historiador Dr. Vitor Adrião
A Praça do Comércio ou Terreiro do Paço foi construído segundo o sagrado Livro de Thot, mais conhecido pelo nome de Tarot, enquanto a Rua Augusta, ladeada pelas Ruas do Ouro e da Prata, com o arco monumental, constituem um conjunto arquitectónico mas iniciático capaz de nos abrir os olhos para o verdadeiro significado da cidade de Lisboa.
Estas e muitas mais afirmações de índole ocultista, sem dúvida a primeira vez trazidas a público nestes trabalhos de reportagem, foram-nos feitas pelo Dr. Vitor Adrião, durante alguns dias em que deam- bulámos por ruas e praças da capital do País, aprendendo pelo nosso lado um pouco do muito que arquitectos e escultores colocaram nas suas obras, para além da simples forma modelada das matérias empregues.
E isto porque, para Vitor Adrião, "Lisboa é a cidade da velha Mãe Lusina, companheira do deus Lug, a grande deusa dos Lígures e dos Celtas, a Boa Lusi ou Lusina, a Lusibona ou Lisibona".
Como o que foi dito é, afinal, muito na forma e importante no conteúdo, aqui ficam, apenas, os diálogos havidos durante este nosso passeio pela cidade dos "Homens-Serpentes" e das sete colinas, num esboço de roteiro capaz de interessar, quem sabe, a alguns dos nossos leitores.
LISBOA DAS SETE COLINAS É UMA CIDADE SAGRADA
P. - Existe alguma relação entre a cidade de Lisboa e o antigo culto ao deus Lug?
R. - Lisboa está internamente ligada ao ancestral culto do deus Lug, divindade suprema do pante- ão Lígure que, além de resistir à invasão dos Celtas, assimilou os ocupantes recém-chegados, le- gando-lhes os seus lugares (lug+ara, altar de Lug) de culto, as suas montanhas, rios e pedras sa- gradas. Lug, deus tão antigo e poderosamente enraizado que ainda hoje lhe surpreendemos o alento e os vestígios na toponímia das Gálias e em todo o espaço da Península Ibérica onde os Ára- bes não impuseram a sua presença e cultura.
P. - Entre esses vestígios quais são os mais os mais antigos ou possíveis de divulgar?
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- Devo declarar que boa parte das informações constantes nesta 1.ª reportagem (aqui revista, corrigida e aumentada, assim como a 2.ª, para não haver quaisquer imprecisões de ordem simbólica e historiográfica, pois que na altura as reportagens foram efectuadas no terreno e tendo eu como único recurso a memória imediata) tiveram como autor consultado Olímpio N. Gonçalves (in "Lisboa à luz dos seus Arcanos"), e na altura da entrevista, por precipitação ou descuido, seja como for ignorando e assim podendo o lapso pessoal assumir-se relapso ao entendimento do leitorado colectivo, não o citando, por culpa exclusiva do entrevistado, nunca do entrevistador, pelo que rectifico, como já o fiz em outras partes, devolvendo "o seu a seu dono". Seja como for, esta foi a primeira entrevista de vanguarda sobre o Esoterismo de Lisboa que alguma vez apareceu a público e, os pósteros, que conheço, limitaram-se a copiar-me e, aí sim porque sei de fonte directa, a ostracizarem declaradamente o autor, a minha pessoa e pena, em que dei muito de inédito... mas não completo, por a LEI do Sigilo Iniciático proibir, para que a Sabedoria Divina não viesse a ser conspurcada por esses e outros que tais, a maioria na ocasião não passando de "meninos de escola" e "curiosos de coisas fantásticas". A verdade é que, mesmo assim, conspurcaram o pouco que ofereci, demonstração cabal de que cresceram fisicamente mas ainda não amadureceram consciencialmente. - Nota Vitor Manuel Adrião.
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R. - São as marcas indeléveis da presença de Lug, os lugares "Lug", como os de Logroño e Lugo, no caminho de Santiago de Compostela e nos trilhos iniciáticos da História Secreta da Península Ibez a Ibéria. Raízes ancestrais impregnando de mistério a cidade da boa deusa Lusi e do grande Lug, obreiro universal, demiurgo, mestre de artes e alquimista, músico, guerreiro e mago, o pode- roso tutelar da Lusitânia que os Lígures e os Celtas transportaram consigo na sua marcha para o Sul, em direcção ao Grande Ocidente, pela rota da Via Láctea e da Estrela do Cão, isto é, de Ísis e de Osíris ou estrela Sirius, nos confins da Terra, "as finis-terrae".
P. - Existe algum significado simbólico no facto de Lisboa ser uma cidade com sete colinas?
R. - Lisboa, como todas as cidades de sete colinas a exemplo das quais apontarei Jerusalém e Roma, dentre outras, é considerada pela Tradição Teúrgica uma urbe sagrada.
Decifrando-se o seu próprio nome de Lisboa (Lis+Boa), teremos a sacralidade do lugar des- velada. A Flor de Liz, símbolo de Iniciação e Mistério, representa o Sol Tríplice ou Santíssima Trin- dade expressa na figura Pontifícia e Imperial de Melki-Tsedek, o Prestes João, o "Vicente, corvo- -humano" nos Painéis de Nuno Gonçalves. O termo "Boa" além de designar a "água" designa também a coluna salomónica Boz ou Bohaz, pilar de Deus sito aos pés do Tejo, no Cais, portanto lugar representativo da cidade. Indicando a Beleza Universal, nela está a Força e o Rigor com que termina o nome de Lisboa, e nessa coluna a Lisboa cidade aos pés do Tejo finda.
P. - Há quem afirme que Lisboa foi fundada por Ulisses e sua contraparte Ulissipa...
R. - Ulisses e a sua contraparte Ulissipa são formas helénicas e antropomórficas do "celtizados" Lug e Lusina, designando astrolaticamente o Sol e a Lua. Na realidade, quer uns quer outros, enco- brem realidades mais profundas remontando à própria Atlântida quando Lisboa foi fundado pelo Príncipe Lissipo e a Princesa Lissipa, filhos da Rainha Ulisi-Pa ou Ibez (donde derivaria o onomásti- co hebreu Ibéria) e do Rei Mani-Pura, Curavia ou Curata, Senhor dos Nagas ou "Seres Serpentári- os", Ofiússas, do Patala (aqui, o "Ocidente"), segundo velhos textos do Oriente, Sacerdotes Inicia- dos de uma Ordem de santos e Sábios ou "Homens-Serpentes", remontando daí a Tradição de que Lisboa é a cidade da "Grande Serpente" (Kundalini), e as sete colinas os "seus sete anéis". Também a tradição, lavrada em textos velados, de que a Princesa Lissipa deixou cair ao Rio o seu anel com um pentagrama esculpido com pedras preciosas e que depois foi encontrado no buxo de um peixe acabado de pescar, é indicativo de que Portugal já na Atlântida estava sob a égide do si- gno de Peixes e que Lisboa já então se revelava pelo Feminino Iluminado, a Ofiússa ou Sibila, dando o seu contributo a uma longínqua mas pressentida "5.ª Coisa" a fazer. Enfim, para nós realidades inserta no que chamamos a História da Obra Divina, mas para outros factos, se é que alguma vez os foram, profundamente contestáveis, sem dúvida, e que as fábulas e contos locais se encarregaram de encobrir sob o véu da fantasia e do fado que, mesmo assim, chora a saudade.
O TERREIRO DO PAÇO
P. - Que simbologia pode conter a Praça do Comércio ou Terreiro do Paço?
R. - O Terreiro do Paço, na disposição linear do seu talhe, no alinhamento das suas artérias, no ri- tmo geométrico da sua arcaria é a lâmpada de Aladino (Allah-Jin, em persa) que franqueia a porta que conduz à gruta subterrânea, onde jazem os maravilhosos tesouros escondidos, até aqui, aos olhares profanos. A Praça dos Arcos é o átrio que nos conduz ao Santuário das sete colinas, o Templo da Sabedoria.
P. - E o famoso Arco da Rua Augusta?
R. - O Arco da Rua Augusta tem profundo significado esotérico. Todas as cidades alicerçadas sobre sete colinas possuem o seu Arco do Triunfo ou da Salvação. O de Lisboa é a síntese sagrada e também estética dos demais espalhados pela Europa e Médio-Oriente. Designa o Umbral dos Mistérios, a passagem das trevas para a Luz, da morte para a Imortalidade que a Sabedoria das Idades concede.
Neste Arco encontram-se as figuras de quatro personagens importantes de nossa História: Viriato, chefe dos Lugsignan, os Lusitanos, que deram o sentido da Nacionalidade nascente; Vasco da Gama, almirante da Ordem de Cristo e que ligou a Ásia à Europa por Via Atlante, quer é dizer, Marítima; Sebastião de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que coadjuvado por operativos maçónicos ingleses, franceses, húngaros e portugueses, reconstruiu a velha Lisboa depois do terramoto de 1755 e ordenou reformas sociais as quais abriram um novo ciclo na nossa História; e o Santo Condestável Nuno Álvares Pereira (ligado à Casa de Bragança que, por Lei de Causalidade, veio depois a governar o Brasil, sendo o seu primeiro Governador Geral D. Tomé de Souza), o qual alguns teimam em associar à figura do Infante D. Henrique, também este vulto imponente na História Portuguesa que o torna deveras ímpar, indo a sua influência directa desde as conquistas militares à abertura de novas cadeiras universitárias, ao apoio às Ordens de Cavalaria e Religiosas, até chegou ao ciclo das Descobertas marítimas que já se habitou chamar de Período Henriquino, sob o signo do Prestes João, já indício da vindoura Era do Aquário de abertura e expansão universal.
Ladeando essas quatro personagens estão as estátuas alegóricas do Tejo e do Douro, pre- cisamente os divinos Génios de Lisboa e do Porto, as cidades-gémeas expressivas das colunas sa- lomónicas Bohaz e Jakin, precisamente expressadas nas cores negra e branca patentes na bandeira da sempre nobre e leal cidade de Lisboa.
P. - Quem foram os autores dos dois grupos escultóricos dos quais nos acaba de decifrar o significado?
R. - O grupo escultórico de que acabamos de falar é da autoria de Vítor Figueiredo de Bastos, en- quanto o grupo alegórico que encima o Arco foi obra do pedreiro-livre e escultor francês Camels. Ele representa aí Ibez ou Ibéria, aqui como Grande Mãe Universal, laureando, coroando Apolo e Minerva, a Iluminação e o Entendimento. Ela é a Laureada, a "Coroa dos Magos" da 22.ª lâmina do Tarot.
OS ARCOS DO TERREIRO REPRESENTAM OS ARCANOS DO TAROT
P. - Se existem analogias com o Tarot, no Arco, haverá mais representações simbólicas do Tarot ou Terreiro do Paço?
R. - O Livro de Thot, mais conhecido pelo nome de Tarot é, como se sabe, constituído por 78 cartas ou lâminas, originalmente de ouro fino ou crisopeico e prata argiopeica, pertencendo as pri- meiras 22 lâminas aos Arcanos Maiores, ou Esotéricos, e as restantes 56 aos chamados Arcanos Menores, ou Exotéricos. Existe uma intencionalidade na própria arcaria do Terreiro do Paço ultra- passando, sem dúvida, a sua função estrutural da sua arquitectura. Os edifícios laterais contêm 28 arcos cada um, cuja soma total é de 56 arcos, ou Arcanos Menores.
Na fachada principal, entre as Ruas do Ouro e da Prata, contamos, por outro lado, 22 arcos, 11 em cada direcção, a partir da Rua Augusta. Ora 22 arcos correspondem, exactamente, ao número dos 22 Arcanos Maiores ou Iniciáticos.
Se aplicarmos a cada arco o arcano que lhe corresponde, possuímos a chave interpretativa de um ciclo completo de manifestação: relativamente aos 56 arcos, a manifestação profana, e quanto aos 22 arcos frontais, entre as Rua do Ouro e da Prata, a realização oculta.
Sobre isso, cito agora um trecho, datado de 30.7.1951, de uma obra impublicável do Prof. Henrique José de Souza, O Livro do Loto, e que tem a ver com tudo quanto vimos dizendo: "Repare-se como o Arco da Rua Augusta se parece com o do Palácio da Aclamação, na capital baia- na. VIRTUTIBUS MAIORUM (melhor dito, MAJORUM), é o lema da Rua Augusta. De cada lado do re- ferido Arco da Rua Augusta, figuram 11 portais. Ele é, portanto, o 23.º, como primeiro Arcano Menor. A estátua do frontispício, na sua parte mais alta, coroa um Homem e uma Mulher. Em baixo também se fala num DOCUMENTO P.P.D., que antes deveria ser L.P.D. Deve ser um lema latino referente a PORTUGAL".
P. - Podemos considerar Lisboa como uma das cidades europeias mais ricas, sob o ponto de vista monumental?
R. - Lisboa é, de facto, a capital da Europa no contexto monumental, não esquecendo a arte vitral, a azulejaria e a pintura. Os painéis de Nuno Gonçalves quiçá sejam o maior exemplo, e certamente não estão devidamente lidos e interpretados, pois este Políptico encerra a génese e linhas gerais do desenvolvimento Lusitano e Ibérico no geral, muito além da interpretação vulgar que tão mal se é uso e costume dar-se-lhe.
Por isso e por toda a beleza e grandiosidade estética e esotérica de Lisboa, apelo às respe- ctivas autoridades para que concedam uma maior protecção ao nosso maravilhoso património na- cional, particularmente ao património lisboeta, afinal de conta, a nossa Memória, a Memória do Povo Português. É sumamente doloroso, e só arrancando lamentos d´alma, ver-se hoje tão maltra- tado o património monumental da capital, vítima da poluição motora e da inconsciência de partidá- rios políticos ou desportivos, servindo-se dos monumentos como quadros para borrar os seus "slo- gans" e símbolos, sujando e destruindo a nossa estatuária ímpar. A perder-se será algo irrecuperá- vel pois com ela se perderá muito da nossa Alma Lusitana, ademais, os Mestres Arquitectos e Canteiros há muito que se foram...
CAVALEIRO DA ESTÁTUA
P. - No centro do Terreiro do Paço está a estátua que se diz ser de D. José, da autoria de Machado de Castro, templário e escultor da escola de Mafra. Será que também nela se manifesta um simbolismo oculto?
R. - Há que saber ver e ler, para além do simbolismo aparente, o verdadeiro significado da esta- tuária deste aro esotérico da Baixa Pombalina, tanto mais que todos os seus escultores houveram talhado o seu carácter, saber e arte no escrínio iniciático de Confrarias esotéricas, fossem (Neo) Templárias, fossem Maçónicas.
O cavaleiro da estátua, empunhando o ceptro imperial mandatário e cobrindo-se com um manto, quiçá vermelho, semelhante aos que usavam os cavaleiros da ordem de Cristo e cuja montada branca esmaga as serpentes, sugere ser a própria imagem de S. Jorge, para a Tradição, o Vigilante Silencioso da Pátria Lusitana, expressando na Terra ao próprio e psicopompo S. Miguel, afinal, este o Metraton para aquele o Sandalphon.
O anjo da trombeta, junto do elefante, e o anjo da palma, junto dum cavalo, ambos esma- gando o homem velho e a profanidade, designam as Tradições Iniciáticas Oriental-Ocidental unidas, encontradas em Portugal, onde acaba a terra e o vasto mar começa.
Atrás do cavaleiro, nas costas da estátua, encontra-se esculpida a alegoria da aparição do Menino Coroado, sob o apadrinhamento de sua Santa Mãe, sugerindo o futuro Reinado do Espírito Santo, tese já perfilhada pelo abade cisterciense da Calábria, Joaquim de Flora, no século XIII. A arca aberta de um tesouro está aos pés do Menino, e um arquitecto mostra-lhe o plano da Nova Lisboa. Ilustração semelhante a essa encontra-se numa tapeçaria no Convento de Mafra. Por falar em Mafra, símile do Templo de Salomão, as suas dimensões são exactamente as mesmas do Terreiro do Paço e onde se encontra, naquele, o seu altar-mor, está neste precisamente a estátua equestre de D. José I ou de S. Jorge, aqui nesta Praça dos Arcos ou Arcanos. Terrível coincidência, mais por causalidade do que por casualidade...
Mais uma vez, a sibilina profecia de Sintra faz eco: "Patente me farei aos do Ocidente / Quando a Porta se abrir lá do Oriente / Será cousa pasmosa quando o Indo / Quando o Ganges trocar, segundo vejo / Seus (divinos) efeitos com o Tejo".
ARTÉRIAS DA BAIXA FORMAM O CADUCEU DE MERCÚRIO
P. - Para terminar, gostaríamos de voltar às três ruas da "Baixa". Qual o seu significado?
R. - Do Terreiro do Paço partem as principais artérias: Rua Augusta, Rua do Ouro e Rua da Prata. Quando dizemos artérias aplicamos o termo próprio, pois é de artérias que se trata. As Ruas do Ouro e da Prata, com a Rua Augusta, representam o caduceu de Hermes, ou de Thot, e como é sa- bido, o caduceu compõe-se duma coluna central em torno da qual sobem duas serpentes, uma dourada e outra prateada, respectivamente uma solar e outra lunar.
Estas serpentes representam e são as artérias pelas quais flui a energia serpentina vital, desdobrada nos seus dois aspectos complementares: o lunar que é frio e passivo, enquanto o solar é quente e activo.
Na simbólica tradicional o ouro expressa o Sol e a prata a Lua. Torna-se claro que a Rua do Ouro corresponde ao aspecto solar do caduceu, a Rua da Prata ao lunar e que, finalmente, a Rua Augusta simboliza o bastão central, canal de fusão e síntese destas duas forças polares.
Através do caduceu pombalino temos acesso às sete colinas ou selos da Boa Liz: S. Vicente, em Alfama; St.º André, na Graça; S. Jorge, na Mouraria; S. Roque, no Bairro Alto; St.ª Catarina, a partir do Camões; Santana, sobre o Largo da Anunciada, e Chagas, no Carmo. Interpretar estes sete padroeiros é interpretar o enigma críptico de Lisboa, que aqui não nos cabe fazer.
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